Wanderley Guilherme dos Santos é cientista político e membro da Academia Brasileira de Ciências. Artigo publicado no caderno Fim de Semana do “Valor Econômico”:
O planeta fica mais à vontade em um universo decadente do que em evolução.
As previsões cosmológicas são mesmo desalentadoras, os especialistas estimando que, caso não aconteça nada de grave antes, ele se acabará junto com a explosão final do sol ou o esfriamento deste, uma das duas coisas.
A pouco confortável reflexão de que no longo prazo estaremos todos mortos, atribuída a John Maynard Keynes, já morto, só será radicalmente confirmada, entretanto, daqui a alguns bilhões de anos.
Há tempo de sobra para separações e reconciliações.
Em compasso oposto ao do sistema solar, acredita-se que, no planeta Terra, se experimenta uma história de gradativo progresso da pobreza à abundância, do simples ao complexo, da monotonia à variedade, de menos a mais vida.
Chama-se de evolução.
Pois o meu amigo Luis Mala, personagem de romance, se dedica a especular sobre a imagem que teríamos do planeta se este, tal como o sistema solar a que pertence, estivesse em decadência.
Segundo Mala, muitos fenômenos que deixam a humanidade perplexa se revelariam absolutamente normais.
Na verdade, diz ele, caminhamos, por assim dizer, da abundância à pobreza, do complexo para o simples, da variedade à monotonia, de mais vida para menos vida.
Isto aceito, sustenta ele, todo o resto faz sentido.
Não há tratado econômico sem a advertência preliminar de que sobrevivemos em um mundo de escassez.
São poucos os que têm oportunidade de esquecer esse dado básico, estando ele presente de maneira constante ou ocasional na vida da maioria das pessoas.
Mas passa despercebida a informação de que nem sempre foi assim. Em tempos que já vão longe o problema era o excesso de tudo: de animais, peixes, pradarias, chuvas, caça e colheita.
O trabalho só criava riqueza, sem contrapartida da penúria de ninguém. Diz Luis Mala não estar convertido a nenhuma das hipóteses científicas sobre a origem da escassez.
Por isso tende a acreditar na tese geral de que tudo marcha para pior. Isto é, adverte Mala, desde que se admita a tese particular de que substituir a abundância pela escassez não foi um bom negócio.
Os depósitos fósseis encontrados no Canadá e mais recentemente na China provocaram verdadeiro tumulto epistemológico na paleontologia. Para dizer o mínimo.
A quantidade de espécies encontradas no período cambriano da formação do planeta daria para constituir meia dúzia de outros planetas hospedando a vida.
Até aí seria uma dádiva, não fosse o enigma de que ainda não se encontraram bichos antecedentes que esclareçam o big-bang biológico do período cambriano, nem parentes posteriores a revelar em que deram aqueles esquisitos espécimes.
Surgiram do nada e ao nada retornaram. São milhões de espécies sem antecedentes ou conseqüentes, uma figura de silogismo em que só existisse a segunda premissa.
Não espanta que a matéria tenha alcançado a região da teologia.
Intensíssimos debates têm caracterizado o comércio entre evolucionistas e criacionistas, sem perspectiva de paz, muito menos de avanços do entendimento sobre que diabos vêm a ser aqueles monstrinhos do cambriano.
Luis Mala entende que os desdobramentos do cambriano são mais fáceis de compreender quando se parte de um processo de involução.
Não havendo vestígios dos antecedentes, tanto faz supor que eram poucas as espécies, a riqueza cambriana comprovando a tese evolucionista do movimento do simples para o complexo, ou da monotonia para a variedade, quanto postular que eram muitas, não passando o cambriano de etapa da involução em progresso, se assim se pode chamar.
Elas por elas, a teoria da involução tem tanta chance de estar certa quanto a da evolução.
Ambas se apóiam na ausência de evidências: a teoria da evolução advogando que a inexistência de provas contrárias a ela significa que as favoráveis apenas ainda não foram encontradas;
a teoria da involução mantendo que não existem nem nunca vão existir tais provas evolucionistas.
Uma das implicações revolucionárias da teoria da involução subverte inteiramente o sentido dos movimentos ecológicos.
Muito longe de representar uma tomada de consciência capaz de reverter o comportamento da humanidade, a defesa da natureza seria o canto de cisne, desesperado e inútil, da espécie.
Não é só o mico-leão que está ameaçado de ser extinto, ou as baleias azuis, ou o carrapato dos bois mato-grossenses.
Todas as espécies estão em via de extinção e não há nada a fazer. Estamos a caminho do desaparecimento tal como a Via-Láctea. Relaxa e caça é a recomendação de Luis Mala.
A tese malaniana de que involuímos da variedade para a singularidade, ou da complexidade para a simplicidade, se apóia na relação de parentesco entre a espécie humana e os símios.
Luis P. Mala está convencido de que os macacos somos nós, amanhã.
A enorme capacidade reprodutiva da humanidade explica por que ainda sobrevivem as comunidades desta espécie quando o processo involutivo já alcançou o espetacular estágio do aparecimento dos gorilas e dos chimpanzés.
Segundo a tese, os bononos, tendo mantido o hábito de sexo frontal, seriam o elo perdido entre a espécie humana e a macacada. Obviamente, a natureza prefere os macacos.
A maior dificuldade da teoria da involução, reconhecida por Luis Mala, refere-se à tese de que o mundo marcha de mais para menos vida.
Inspirado pelos modernos avanços metodológicos, Mala considera pertinente argumentar que:
primeiro, a gradativa extinção das espécies, implicando a passagem de mais para menos vida, comprova que, em geral, a tese é verdadeira;
segundo, que a explosão populacional da humanidade corresponde a uma natural fase de expansão antes de ter início o trajeto catastrófico.
Para comprovação final da teoria são necessárias paciência para aguardar o aparecimento de evidências irrespondíveis e confiança na capacidade humana de se autodestruir.
Tudo somado se verifica que o cenário final previsto pela teoria da involução de Luis Mala indica o ressurgimento de uma natureza mais abundante, à disposição de menor número de animais, com particular apreço pelos macacos.
Antes da explosão definitiva, o planeta retornaria à sua fase livre da espécie humana.
Pela teoria, não fica claro se há um ressentimento contra a humanidade ou um desejo de competir pela consagração científica.
(Valor Econômico, Caderno Fim de Semana, 27/7)
Mais:
Nenhum comentário:
Postar um comentário