Ética e Moral
Moral é ética são coisas correlatas mas diferentes. E nenhuma
delas tem origem nas religiões. Pelo contrário, foram as religiões que
se http://draft.blogger.com/blogger.g?blogID=8399125665136945456#editor/target=post;postID=3790230653084282681apossaram da moral (mas não da ética) como parte do ferramental para
controle de seu rebanho. A moral existe em toda sociedade, mesmo as
primitivas, e consiste em um corpo de prescrições comportamentais a
serem cumpridas pela pessoa, para que seu convívio com os demais seja
aceito dentro do que se tornou costume para aquele grupamento, naquele
tempo e lugar. A moral é, pois, uma disciplina prática normativa e
relativa ao contexto. O que é moral para certa sociedade, em certa
época, pode não ser noutra época ou noutra sociedade. Já a ética é
filosófica. A ética discute a razão das ações humanas e procura achar
justificativas para sua aprovação ou condenação com base nos critérios
de certo e errado, bom ou mau, justo ou injusto, honesto ou desonesto,
verdadeiro ou falso, virtuoso ou viciado e outros do tipo. Busca,
portando, independente dos costumes, definir os critérios para que algo
seja ou não certo, bom, justo, honesto, verdadeiro ou virtuoso. E busca,
também, definir que escolha seria a certa, entre essas possibilidades. É
importante frisar que a eticidade de uma ação se prende à sua intenção e
não à sua execução e só pode ser imputada se a ação foi realizada de
forma livre e desimpedida de qualquer coação. Três critérios sobressaem
dentre os que já foram levantados para a eticidade: o primeiro refere-se
à característica daquela ação promover a maximização da felicidade para
o maior número de seres ou ao contrário; o segundo se liga ao fato da
ação poder ou não ser erigida como norma universal a ser prescrita para
todo mundo e o terceiro se a ação seria uma que o autor gostaria de ser
alvo ou não. Outros critérios, de menor valor, se prendem à utilidade e à
lucratividade, por exemplo, que, em minha opinião, deveriam ser
rejeitados.
Ateísmo, moral e ética
Neste sentido, o comportamento ateísta, em grande parte das
sociedades, é tido como imoral, pois o costume é se aceitar a existência
de deus e, além disso, reverenciá-lo em cultos e outros eventos sociais
que se revestem de caráter religioso, mesmo que não o sejam, como
casamentos, enterros, inaugurações, posses, formaturas. Por isso muitos
ateus, como eu, comparecem a igrejas ou outros templos, em certas
ocasiões, em atenção às pessoas de que é amigo, mesmo não crendo no que
se realiza, em atitude respeitosa e circunspeta. Isto não significa
trair suas convicções, mas sim, ser educado. Eu não diria que é amoral,
pois amoral é um comportamento que não pode ser aferido como consoante
ou não aos costumes. Uma chuva é amoral. Comer é amoral. Já sair nu à
rua é imoral. A moral não é uma coisa certa nem errada em si. Alguns
preceitos morais podem ser errados, se ferirem a ética, como é o caso da
extirpação do clitóris em certas tribos africanas, a lapidação de
adúlteras em uns países muçulmanos, a morte de bebês femininos em
algumas zonas da China, a queima de bruxas e hereges em nações cristãs,
tempos atrás, a segregação racial, de gênero, orientação sexual ou
outras que existem por aí. São morais onde este é o costume, mas são
antiéticas. O ateísmo, absolutamente não é antiético. A ação de ser ateu
não diminui a felicidade de ninguém, pode ser adotada por qualquer um
sem prejuízo e pode ser erigida como norma universal sem problema. Pelo
contrário, o ateu, não relegando a um juiz do outro mundo a punição e o
prêmio pela prática do mal ou do bem, investe-se da responsabilidade de
promover, aqui mesmo, pela sociedade, esta tarefa, sendo assim muito
mais ético. O que falar do católico que peca à vontade pensando que, ao
se arrepender, vai ser perdoado e vai para o céu? E que valor tem a
prática da virtude condicionada ao prêmio da salvação? Ser ateu pode ser
imoral, mas é muito mais ético, principalmente porque é o suprassumo da
honestidade para com a verdadeira realidade do Universo.
Ateísmo e Agnosticismo
Não me consta que exista na Física Quântica, como proclamam
certos pseudo-cientistas esotéricos, algo que indique no sentido da
existência de algum deus. Se houver, gostaria de saber, pois sou
professor de Física Quântica e isto não me pode passar desconhecido. De
fato não há comprovação cabal de que não exista nenhuma espécie de deus,
como não há de que exista. No entanto, para tudo que não seja evidente
ou comprovadamente existente, a opção que se toma é que não exista. Não é
preciso provar que não existe algo que não se tem evidências de que
exista e sim provar que exista. Por isto é que, considerar a
inexistência de qualquer deus é a posição mais lógica, racional,
coerente e honesta. Não se trata de “crer” que não existe deus algum (ou
crer na inexistência de deus), mas em “saber” que não existe evidência e
nem prova de que existe algum deus. O ateísmo não é uma crença, não é
um palpite, não é uma opinião e nem uma certeza. É uma consideração, uma
suposição, uma hipótese. Não garantida, mas muito bem alicerçada. Esta é
a modalidade de ateísmo que abraço, isto é, o ateísmo cético, por
alguns denominado “fraco”. Há uma modalidade de ateísmo, denominada
“forte” que considera que seja certo que não existe nenhum deus. Isto é
uma crença, uma consideração dogmática, do mesmo tipo que a fé
religiosa. Este ateu é um crente que tem a certeza de que deus não
existe. Mas isto não é comprovado. Quanto ao agnosticismo, trata-se de
uma posição que, considerando que não se pode provar nem que deus exista
nem que não exista, deixa de considerar a questão, omitindo-se sobre
ela e levando a vida como se o tema fosse inteiramente irrelevante. Não
é! Por causa da crença em deus nações foram destruídas e milhões de
pessoas foram mortas. Não se pode ficar omisso quanto a isto. É preciso
se posicionar. Eu me posiciono pela inexistência de deus e proclamo tal
fato com todos os argumentos de que disponho. Já me considerei
agnóstico, mas, revendo minha posição, vi que é uma posição muito
incoerente e me decidi pelo ateísmo cético, no espectro de possíveis
crenças em deus.
Niilismo, ateísmo e mau-caratismo
Desde que o personagem Ivan Karamazov, de Dostoievsky disse que:
“Se não há deus, tudo é permitido”, que o ateísmo é confundido com o
niilismo. O niilismo considera que não há significado algum para a vida
e, portanto, que a moral e a ética são inteiramente sem cabimento. A
pessoa pode fazer tudo aquilo que quiser, sem constrangimento. O
niilista certamente é ateu, mas o ateu não necessariamente é niilista. O
ateísmo admite a consideração de um padrão humanista e ético de
comportamento. Muitos ateus que conheço são, até, mais virtuosos que a
média dos crentes. Outra situação é a da pessoa que não possui, na
prática, nenhuma escala de valores éticos e, mesmo não sendo ateu, age à
revelia das concepções religiosas que, muitas vezes, diz professar,
pautando suas ações inteiramente pela vantagem que leva, de forma
completamente egoísta. Essa pessoa, na prática, ou não acredita em vida
eterna, ou não acredita em castigo na vida eterna, ou confia em se
arrepender antes da morte. É o mau-caráter. Trata-se de alguém
inteiramente abjeto, egoísta e mesquinho, não merecedor do mínimo
respeito e consideração. Muitas pessoas são assim e se dizem religiosas,
o que não são. Mas podem crer em algum deus e algumas crêem em satanás
ou outra modalidade de espíritos que lhes propiciariam vantagens em vida
em troca de sua danação eterna. Tudo isto, certamente, não existe. Mas o
mal existe. A disposição de provocar sofrimento, prejuízo, ou qualquer
tipo de dano em outros seres para benefício próprio ou, simplesmente,
por um prazer sádico. Isto, inclusive, é tema de estudos
neuropsicológicos. Por isto é que digo que a responsabilidade do ateu em
fazer prevalecer o bem e em evitar a ação dos mau-caratistas é muito
maior, pois não existe deus algum para auxiliar ou para castigar o mal
na outra vida.
Religião e Moral
Há certa razão quando se diz que o temor de deus (isto é, o medo
de inferno) é um fator importante na determinação de uma conduta em
observância aos preceitos morais. Ainda mais que, de um modo geral, a
maioria dos preceitos morais de fundamentação religiosa são éticos.
Assim, o ideal de santidade, que é preceituado não só pelo cristianismo,
mas pelo islamismo, o hinduísmo, o budismo e o judaísmo (só para citar
as mais importantes) se, de fato, fosse seguido por todos os fiéis,
levaria certamente a um mundo mais fraterno, tolerante, solidário e
compassivo. Parte da escalada de criminalidade hoje observada no Brasil e
no mundo deve-se à perda desse temor do inferno (em outras palavras a
um ateísmo na prática). No entanto duas questões emergem:
As lideranças políticas e econômicas sempre cooptaram os líderes
religiosos a incutirem nos fiéis que a consecução de seus desígnios
ambiciosos de poder e riqueza deveria ser tomada como missão a ser
cumprida pelos fiéis em atendimento à vontade do deus do local e do
momento (cruzadas, inquisição, jihad, indulgências etc.). Poucos se
insurgiram contra tais práticas (tipo um São Francisco de Assis ou
Martinho Lutero), mas a insurgência foi momentânea. Depois, seus
próprios seguidores acabaram vassalos da plutotiranocracia. A hierarquia
eclesiástica católica sempre explorou os fiéis para o enriquecimento e
poder pessoal. Padres como João Maria Vianey, o “Cura d’Ars” são a
exceção. E mesmo Lutero, sei lá…
A outra questão é simples: Será ético impingir uma conduta moral
com base em uma mentira? (o castigo do inferno). Será que não é possível
uma educação ateísta ética? Uma educação em que a virtude e o bem sejam
erigidos como valores desejáveis por si mesmos e não por vantagem
nenhuma a ser fruída ou por castigo nenhum a ser evitado? Será que a
sociedade não pode, ela mesma, concluir que a honestidade e a
solidariedade são mais valiosas do que o crime e o egoísmo? Não porque
seja mais vantajoso, mas porque não é possível erigir a prática do mal
como norma?
Não importa se a pessoa considere que a existência de deus seja
uma verdade ou uma mentira, a ética se aplica da mesma forma. O que
afirmo é que as noções de bem e de mal, de certo e de errado, de justo e
de injusto, de verdadeiro ou falso, de honesto ou desonesto, enfim
desse tipo de dicotomia que é característico da ética, não são noções
religiosas. Elas existem quer se considere que deus exista ou não. E a
ética deve nortear a moral a prescrever os comportamentos adequados de
modo inteiramente dissociado de qualquer prêmio ou castigo na vida
eterna. Isso é que eu considero importante. Para mim não há virtude em
se fazer o bem para se ganhar o céu ou não precisar se reencarnar mais e
nem deixar de fazer o mal para não ir para o inferno ou para não se
reencarnar outra vez. O bem vale por si mesmo. A recompensa da virtude é
a paz da consciência. Esses valores são impregnados na mente, quem
sabe, por algum gene, mas a razão é capaz de mostrar que se o mal fosse
erigido como norma de conduta a ser recomendada e praticada
generalizadamente, não haveria condições para nenhuma pessoa alcançar
paz e felicidade. A sensibilidade também repudia toda crueldade e todo
mal e infelicidade que se possa causar. E a felicidade é o bem que não é
condição para obtenção de nenhum outro acima dele. Dinheiro, saúde,
paz, educação e outros que tais se desejam para poder ser feliz. Mas se
se é feliz sem dinheiro, para que serve ele? Qualquer um que paute sua
vida pelo bem estará tranqüilo e nada temerá, nem mesmo a existência de
deus. Uma conduta hedonista pode e deve ser perseguida, desde que de
modo não egoísta. Eu diria que a virtude está na síntese dialética do
epicurismo com o estoicismo. Creia-se ou não em deus.
FONTE: http://www.ruckert.pro.br/blog/?page_id=1890